Quem nunca sonhou com uma família feliz?
Sabe aquela família reunida em volta da mesa com a presença do papai, da mamãe e dos irmãos, todos conversando na mais perfeita harmonia ?
A verdadeira Família “margarina”, da propaganda. Pois bem, e o que tem de errado nesse sonho? Talvez nada! O problema é achar que os dias serão eternos e felizes e que nada interromperá tal sentimento. Que a família é perfeita e precisará consequentemente se encaixar em um modelo criado para nós! Me preocupo muito com esses enquadres, até porque hoje temos diferentes formas de família ( rearranjos familiares) e a dor de alguns quando se sentem excluídos desse modelo, pode ser aterrorizante, sentindo-se o mais estranho da face da terra.
Sabemos que existem famílias doces, amargas, alegres, agressivas, frias mas a que me preocupa mesmo são as silenciosas, que tudo colocam embaixo do tapete como se ali não houvesse emoção, tentando de repente se enquadrar nessa ideia tão carrasca da família. Tenho certeza que você já vai identificar alguém assim.
Família é lugar de barulho, intimidade, questionamentos!
Idealizações existem e são super importantes, é uma característica forte do mundo infantil. Quando chegamos a adolescência, a desidealização vai começando a acontecer e a verdade vai batendo à porta assim como as devidas frustrações em relação aos seus membros.
A idealização da família “margarina” é causadora de muitas frustrações pois fica como uma inadequação dentro de um sonho que não se encaixa bem na realidade.
Que tal agora pensarmos a partir da ideia de que existem dois tipos de família:
as que tem problemas e as que não falam sobre seus problemas.
As famílias compartilham histórias, padrões físicos, mentais, emocionais e espirituais que são transmitidos de geração em geração de muitas formas. Como se fosse um grande somatório de pensamentos e sentimentos que criam uma atmosfera de influências para quem dela faz parte.
Se você observar a sua família de uma forma ampla vai perceber esses padrões. Vai percebe-la como uma unidade, composta por vários indivíduos que compartilham uma mesma atmosfera, onde cada um sente de forma diferente.
A família passa por ciclos e cada ciclo traz uma aprendizagem específica, algo que precisa ser conquistado ou algo que precisa ser deixado de lado.
E elas costumam apresentar sintomas quando empacam em uma transição do ciclo de vida. O problema, então, não é um de seus membros ter apresentado uma doença ou comportamento disfuncional, e sim a família ter falhado de alguma forma em reorganizar-se para avançar ao próximo estágio do ciclo de vida, que acabou adoecendo um de seus membros para se manter funcionando.
O que normalmente nem nos damos conta é que a nossa história familiar é um continum ao longo de muitos anos, que uma forma de funcionamento dos nossos bisavós, por exemplo, pode interferir até hoje na forma que assumimos de padrão de funcionamento, que inclusive doenças possam ser marcas de uma história familiar. Você acredita que isso é possível?
Gosto de fazer perguntas para entender o seu nível de conhecimento da sua história familiar. Conhecendo sobre ela você tem a oportunidade de se conhecer melhor e entender de repente poque passa por algumas situações nos dias atuais.
Precisamos ser mais atentos aos nossos entrelaçados familiares. Carregamos conosco memórias de muitas histórias familiares e ela é o sistema mais influente ao qual pertencem os homens. As famílias repetem a si mesmas, o que acontece em uma geração com frequência, se repete na seguinte.
Então gostaria de lhes apresentar uma modalidade de psicoterapia que é a de FAMILIA, você já ouviu falar?
Desenvolvi ao longo de alguns ensinamentos o entendimento de que a família é o melhor remédio e a cura consiste em trabalhar juntos a história desenvolvimental de seus indivíduos, curando feridas ainda abertas e recompondo relacionamentos emocionais rompidos. O problema apresentado torna-se uma porta de entrada no mundo familiar e o paciente um guia privilegiado na exploração dos laços familiares.
Ela serve justamente para destravar as comunicações, os segredos, ou as palavras proferidas que feriram e até traumatizaram seus membros e que nem foi percebido
A terapia familiar é realizada em grupo de modo a construir e desenvolver o diálogo entre os membros familiares e assim auxiliar na resolução de problemas e na conquista de relações respeitosas, harmoniosas, saudáveis e verdadeiras.
Entre os principais objetivos da terapia familiar estão:
promover o autoconhecimento em nível individual e familiar;
compreender a importância do diálogo e do respeito ao outro;
reconhecer os padrões que geram os comportamentos;
melhorar a comunicação e as relações entre os membros da família;
compreender o papel de cada indivíduo no bom funcionamento da dinâmica familiar;
aumentar a responsabilidade pessoal;
favorecer mudanças construtivas de forma a harmonizar o ambiente familiar.
Não poderia terminar esse texto sem trazer uma reflexão metafórica a partir de uma das minhas histórias de família.
Na minha história de família, a música sempre teve um lugar muito valioso e todos os questionamentos que fazia a minha mãe ela transformava a dúvida no refrão de alguma música conhecida nossa e tudo começou com o meu nome, assim: “ karina, karina morena, você se pintou, não pinte esse rosto que eu gosto..”.
Quando me preocupava e a pedia socorro eu dizia: mãe e agora, o que vai acontecer? Ela já respondia cantando: Filha, “amanhã tudo pode acontecer, inclusive nada”.. É óbvio que as vezes isso também me chateava mas não posso negar que trazia uma leveza para o problema, na falta de resposta daquele momento.
Me permita construir um paralelo sobre família a partir de um pedacinho da história que é minha e quem sabe isso também não te ajude a rememorar fatos da sua história e poder construir a sua versão sobre a sua. Já pensou que a família pode ser comparada a uma ORQUESTRA MUSICAL
Pessoas tão diferentes convivendo no mesmo espaço, com vozes que parecem até explosões de alegria, tristeza e raiva, parecendo uma enorme família desafinada.
Nesse espaço entre os sons graves da raiva, agudos da tristeza entre os sons inaudíveis da indiferença vamos entrando em contato com a desarmonia, dessa orquestra que construímos, tentamos afiná-la, tentamos criar uma melodia com harmonia, criamos uma melodia que nos emociona. Não se envergonhe de chorar. Família é uma melodia que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.
Precisamos ter muita atenção ao tentar afinar essa grande orquestra chamada família, seus componentes são extremamente sensíveis, todos os movimentos tem que ser muito assertivos, um movimento mais forte ou mais flexível, pronto, é um verdadeiro desastre, é preciso ter boa mão, ser profissional.
E como dizia João Gilberto :
“Se você insiste em classificar
Meu comportamento de antimusical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é bossa nova, que isto é muito natural
O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também têm um coração”
Assim sendo, todos que formam essa orquestra, emitem sons e a psicoterapia de família entra aqui, muitas vezes esses sons estão estridentes ou inaudíveis demais a ponto de adoecer um de seus membros que deixam a orquestra impossível de se harmonizar.
O psicólogo é um perito em harmonização dos componentes dessa orquestra. São as regras do funcionamento dos relacionamentos entre eles, que mantém o equilíbrio do todo, através de reflexões acerca de papéis, padrões, regras, objetivos e crenças
A consulta serve para encontrar saídas alternativas àquelas que até aí não foram eficazes.
Que tal construir uma metáfora sobre o que é FAMÍLIA pra você?
Karina Machado, pres. da Associação de Terapia de Família do Rio Grande do Norte