Um estudo apresentado durante o congresso Asco 2024, nos EUA, mostrou resultados promissores e deve mudar a prática clínica no manejo da doença
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
O melanoma é o tipo de câncer de pele mais agressivo e letal, especialmente devido à alta probabilidade de se espalhar para outros órgãos. O tratamento– padrão da doença para pacientes com metástase em linfonodos regionais (estágio 3) se baseia na retirada do tumor associada à aplicação de imunoterapia por um ano para diminuir o risco de recidiva. Agora, um estudo apresentado durante a Asco 2024, a reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, realizada em Chicago, Estados Unidos, deve mudar a prática clínica.
Pesquisadores de diversas instituições da Austrália e dos Países Baixos demonstraram que o uso de apenas dois ciclos de uma imunoterapia combinada, antes da cirurgia, aumenta a chance de cura dos pacientes e diminui o risco de ressurgimento do tumor.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores fizeram um estudo randomizado com 423 pacientes, divididos em dois grupos: o grupo controle recebeu o tratamento convencional (cirurgia primeiro + nivolumabe por 12 meses) e a outra metade recebeu o tratamento neoadjuvante, com dois ciclos de imunoterapia combinada (nivolumabe e ipilimumabe por seis semanas) e depois a cirurgia.
Os resultados mostraram que 60% dos pacientes do grupo que recebeu a estratégia neoadjuvante (dois ciclos de imunoterapia pré-operatória) tiveram uma resposta patológica completa ou maior, ou seja, mais de 90% do tumor foi eliminado – o que é considerado praticamente uma cura pelos especialistas. Os outros 40%, que não alcançaram essa resposta, puderam continuar com a imunoterapia no pós-operatório para complementar.
Além disso, o estudo demonstrou que o risco de recidiva é 70% menor entre os que receberam a imunoterapia pré-operatória, em comparação com os que fizeram o tratamento- padrão. “A maioria dos pacientes teve essa resposta fantástica com um tratamento muito mais curto. A estratégia fez praticamente evaporar toda a doença e quase não houve casos de recidiva. Os outros 40% vão seguir com o tratamento complementar porque foi possível identificar uma população de risco mais elevado para a recidiva e que de fato precisa de um tratamento mais prolongado”, analisa Gustavo Schvartsman, oncologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, que assistiu à apresentação do novo estudo durante a Asco.
Os efeitos colaterais foram parecidos nos dois cenários, embora os pacientes que receberam a combinação dos dois remédios tenham sentido efeitos um pouco mais intensos do que aqueles que estavam no cenário de um medicamento isolado. “Mas a duração mais curta do tratamento fez com que o efeito colateral fosse mais breve também”, frisa Schvartsman.
Os benefícios da imunoterapia
O melanoma representa cerca de 4% dos tumores de pele. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima a ocorrência de 9 mil casos ao ano e quase 2 mil mortes em decorrência do problema. A doença é subdividida em quatro estágios, conforme a gravidade. Pacientes com melanoma nos estágios 1 e 2 possuem tumor localizado, sem metástases. Pessoas no estágio 3 possuem metástases próximas, geralmente em linfonodos – e são elas que passam por cirurgia e imunoterapia. Pacientes no estágio 4 são os com o melanoma mais avançado, com metástases distantes e espalhadas para outros órgãos.
Há alguns anos, a ciência já sabe que o melanoma é um tipo de câncer extremamente imunogênico, ou seja, responde bem ao tratamento com a imunoterapia – que nada mais é do que uma forma de ensinar o corpo a reconhecer as células cancerígenas e lutar contra elas. Por isso, há vários estudos em andamento que testam diferentes formas de aplicação da imunoterapia no tratamento da doença.
De acordo com Schvartsman, o estudo apresentado na Asco foi desenhado com base em vários outros anteriores, que avaliaram a estratégia do uso da imunoterapia pré-operatória como algo potencialmente melhor para o paciente. Isso porque, segundo o médico, os resultados já vinham demonstrando que o sistema imune costuma funcionar melhor quando a imunoterapia é administrada antes de remover o tumor.
“Nesse cenário (da imunoterapia aplicada antes da remoção do tumor) você tem um paciente com um sistema imune mais saudável, pois ele ainda não foi submetido àcirurgia. Além disso, o tumor ainda está presente como uma fonte de reconhecimento do sistema imune. Quando retiramos o tumor, tiramos o que o sistema imune precisa procurar. E a cirurgia também secciona os vasos sanguíneos, cortando o acesso ao tumor. Se você corta a vascularização, o sistema imune não consegue chegar ao câncer e reconhecê-lo”, explica o oncologista.
Imunoterapia no SUS
Os dois imunoterápicos usados no estudo já estão aprovados no Brasil, mas, por enquanto, estão amplamente disponíveis somente na rede privada. Embora haja a recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no Sistema Único de Saúde (SUS) para a incorporação das drogas na rede pública, elas ainda não fazem parte do rol de medicamentos usados como rotina para os pacientes com melanoma atendidos pelo SUS.
Isso porque são drogas de alto custo e a adesão dos centros especializados esbarra no preço. “A estratégia de antecipar a imunoterapia encurta muito o tratamento e reduz consideravelmente o custo associado. Apesar de serem dois remédios, o número de doses a serem usadas é tão menor que o custo final do tratamento fica mais barato”, observa o oncologista.
Para Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, os resultados desse estudo podem favorecer o processo de incorporação desses imunoterápicos à rede pública, justamente pelo fato de serem necessárias menos doses. “Apesar de já termos a imunoterapia incorporada no SUS pela Conitec, ela ainda não está disponível de forma equitativa para todos que podem se beneficiar. Os centros que conseguem comprar o fazem, mas não são todos. Então nem todos os pacientes têm acesso. Acredito que esse novo estudo pode, sim, nos ajudar a buscar essas mudanças e beneficiar o paciente do SUS”, afirma Holtz.
Para o oncologista do Einstein, não restam dúvidas de que a prática clínica para pacientes da saúde suplementar deve mudar com esses resultados. “A conclusão do trabalho é inequívoca. A partir de agora, todos os pacientes com melanoma metastático deverão ser submetidos ao ciclo de imunoterapia no pré-operatório. Além de ser mais barata, porque envolve menos doses da medicação, a estratégia aumenta significativamente as chances de cura. Não existe cenário melhor”, completa.