Dor de cabeça associada a perda aguda do campo de visão é sinal de alerta. Na dúvida, é melhor procurar um serviço de emergência.
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Num sábado pela manhã, logo após tomar uma xícara de café, o engenheiro Alexandre Godoi, de 58 anos, achou que começaria o fim de semana com mais uma crise forte de enxaqueca desencadeada pela cafeína. Ele, que não tinha nenhuma outra doença prévia e sofre de enxaqueca crônica com aura há anos, percebeu a visão começar a ofuscar (um sinal clássico da aura) e sentiu a dor na cabeça.
Como de costume, decidiu tomar um analgésico e deitar num ambiente escuro para esperar a crise cessar. A dor de cabeça diminuiu, mas a visão periférica continuou ruim e assim persistiu por mais de 24 horas. Preocupado com a alteração permanente do campo visual, o engenheiro procurou o pronto-socorro no dia seguinte e descobriu que não teve uma crise forte de enxaqueca e sim um AVC (acidente vascular cerebral), cujo único sintoma foi a perda do campo visual, que acabou confundida com a aura.
“O lado direito da minha vista ficou embaçado, como se fosse a mancha de um dedo em uma fotografia. Eu continuava enxergando perfeitamente quando olhava para a frente, mas a visão periférica do lado direito ficou prejudicada. Como não tive nenhum outro sintoma motor ou físico, que são sinais mais comuns, nunca imaginei que seria um AVC. Pensei que era uma enxaqueca com aura prolongada”, disse Godoi.
Risco aumentado
Ter enxaqueca com aura (ou migrânea com aura, na linguagem técnica) aumenta em três vezes o risco de a pessoa sofrer um AVC. Inclusive, ela foi reconhecida como fator de risco para eventos do tipo em revisões de estudos feitas há pelo menos dez anos.
Segundo a neurologista Polyana Piza, do Hospital Israelita Albert Einstein, o AVC pode ser isquêmico (quando ocorre o bloqueio da circulação do sangue em determinada região do cérebro) ou hemorrágico (quando há o rompimento de um vaso cerebral).
O primeiro exame para determinar o que está acontecendo é a tomografia computadorizada, que é mais rápida e diferencia o AVC isquêmico do hemorrágico – o que é essencial para determinar a conduta do tratamento. Em seguida, dependendo da necessidade, é feita a ressonância magnética para confirmação ou não do AVC.
No caso de um AVC isquêmico, se o paciente procurar atendimento nas primeiras quatro horas e meia após o início dos sintomas, é possível reverter o quadro por meio de um procedimento endovenoso. Em até 24 horas após os sintomas, a depender do caso, é possível fazer uma trombectomia mecânica (procedimento por cateterismo para retirar o coágulo). Por isso é tão importante que os pacientes saibam identificar os sinais de que há algo de errado, pois quanto mais cedo procurar ajuda, menor a chance de sequelas.
Como identificar
Nem sempre o AVC vem acompanhado de sintomas físicos ou motores (como paralisia de um dos lados da face, boca caída, dificuldade de falar, perda de coordenação). Tudo vai depender do território atingido – no caso de Godoi, a região afetada foi a região occiptal, responsável pela interpretação neurológica do campo visual, por isso a perda da visão periférica.
“O território mais comumente atingido é o irrigado pela artéria cerebral média, responsável pela irrigação da parte motora. Por isso, as pessoas estão mais acostumadas aos sintomas relacionados aos movimentos”, explicou Piza.
Uma das formas de acender o sinal de alerta é aprender a identificar a duração do episódio da aura. Em geral, explica Polyana, a aura clássica é caracterizada por distúrbios temporários que incluem alterações visuais, visão turva com presença de brilhos, luzes e manchas que podem se locomover no campo visual do paciente. Ela costuma anteceder a dor de cabeça e dura de cinco a 60 minutos –raramente passa disso. A aura desaparece quando a dor cessa e, junto com ela, somem os distúrbios visuais.
“Se o paciente chega num consultório ou num pronto-socorro relatando uma alteração visual aguda é preciso investigar e ele necessariamente deve ser submetido a um exame de imagem para o diagnóstico correto”, enfatizou a neurologista. “Qualquer sintoma agudo em neurologia tem como principal causa um problema vascular, mesmo que ele não seja persistente”, disse. No caso de Godoi, o que ele sofreu não foi uma enxaqueca com aura e sim um AVC – a duração da suposta aura foi o sinal de alerta.
O AVC é a principal causa de morbidade e a segunda principal de morte no mundo todo. Segundo a especialista do Einstein, um a cada quatro pacientes que sofrem de enxaqueca tem o episódio com aura. Piza ressalta que a melhor maneira de prevenir é fazer o acompanhamento com um neurologista para um tratamento profilático, que evite a ocorrência da crise de enxaqueca. “Existem diferentes classes de medicações indicadas para diferentes perfis de pacientes”, disse.