Fim de ano é aquela época em que tudo acumula: prazos, metas, confraternizações, boletos, balanços internos. Muita gente chega a dezembro exausta, irritada, sensível, com a sensação de que “não deu conta”. É justamente nesse momento de sensibilidade que uma confusão perigosa costuma aparecer: a ideia de que todo sofrimento é doença.
No Mind Summit deste ano, o maior evento de saúde mental e potencialidade humana da América Latina, realizado em São Paulo, o psiquiatra Daniel de Barros fez um convite incômodo e necessário: separar o que é dor da vida do que é transtorno mental. Não para minimizar ninguém, mas para cuidar melhor.
— Sofrer não é sinônimo de estar doente —diz. Ele é autor do livro “Sofrimento não é doença: nem todas as dores precisam de remédio, mas todas merecem cuidado” (Editora Sextante).
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Vivemos um tempo de incerteza acelerada: mudanças no trabalho, medo de perder espaço para a inteligência artificial, pressão por produtividade, comparação constante nas redes. Nosso cérebro gosta de previsibilidade: quando o futuro parece nebuloso, a angústia cresce. Nesse cenário, é natural sentir medo, frustração, cansaço. O problema começa quando qualquer tristeza vira “depressão”, qualquer medo vira “pânico”, qualquer esgotamento vira “burnout”.
Com base em dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo têm algum transtorno mental. É muita gente. Mas também significa que bilhões sofrem sem necessariamente estarem adoecidos. A medicalização excessiva pode até trazer um alívio momentâneo: “ah, então tem um nome para isso”, mas cobra um preço:
— Quando tudo vira doença, a gente perde a capacidade de lidar com o que é da vida — alerta Daniel.
O outro extremo, porém, é tão perigoso quanto: achar que tudo é “frescura” ou “fase”. Segundo o psiquiatra, estudos multicontinentais mostram um abismo no cuidado. De quem tem um transtorno mental, só cerca de metade sabe disso. De quem sabe, apenas uma parte busca ajuda. E, entre os que buscam, muitos não recebem o tratamento adequado. No fim, menos de 10% têm o cuidado correto. Ou seja: há gente demais sendo tratada como doente sem precisar, e gente demais adoecida sem tratamento.
É aqui que uma frase de Cicely Saunders, pioneira dos cuidados paliativos, ganha peso: “O sofrimento só é insuportável quando ninguém cuida”, afirma a médica e enfermeira inglesa.
Daniel reforça que cuidar não é apenas prescrever remédio ou indicar terapia. É também escutar sem julgamento, ajustar expectativas, rever ambientes que adoecem. Ele diz que, em tarefas automáticas, o sofrimento até pode não derrubar tanto o desempenho. Mas, em atividades complexas, que exigem raciocínio, criatividade e lidar com pessoas difíceis, o impacto é enorme. Mente sobrecarregada tira potência justamente da parte mais sofisticada do cérebro.


