Tabagismo: largar o cigarro apenas com força de vontade é exceção; conheça os métodos eficazes


Chances mais que dobram com o auxílio de intervenções como terapia comportamental, adesivo e goma de reposição de nicotina e medicamentos

Uma meta de Ano Novo que costuma entrar na lista de boa parte dos cerca de 10% dos brasileiros adultos que ainda fumam é abandonar o cigarro. Os motivos não faltam, já que o tabagismo eleva o risco de uma gama de doenças que vão desde diferentes tipos de câncer até problemas cardíacos, diabetes, disfunções reprodutivas e muitas outras. Mas apenas querer é suficiente para sair da dependência?

Especialistas e estudos apontam que o feito é até possível, porém improvável. Quando comparado ao uso de intervenções farmacológicas e comportamentais, as chances de a pessoa conseguir largar o cigarro aumentam consideravelmente. É o que explica a coordenadora da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Maria Enedina Scuarcialupi:

— Não é fácil largar sozinho, costuma ser a exceção. A grande maioria das pessoas precisa de ajuda, como terapia cognitiva comportamental, medicamentos e reposição de nicotina para superar a síndrome de abstinência. Cerca de 5% param sozinhos, e por volta de 50% nos programas de cessação.

Já uma revisão de 319 ensaios clínicos feita por pesquisadores das Universidades de Oxford e Leicester, com 157,2 mil voluntários, concluiu que a cada 100 pessoas que tentam parar de fumar sem auxílio, apenas 6 conseguem. Essa proporção dobra para aqueles com métodos de reposição de nicotina (12 a cada 100) e chega a 14 a cada 100 com o uso de medicamentos, segundo a publicação na Cochrane em 2023.

— A partir do momento que se começa a usar o cigarro, os receptores de nicotina crescem em proporção geométrica. Nós nascemos com esses receptores, porque a nicotina é um neurotransmissor que usamos para outras coisas na vida, mas quando você fuma, a nicotina entra no cérebro em apenas nove segundos, e esses receptores aumentam muito. Se você tinha 1, por exemplo, vira 4. E aí vai se criando o quadro de dependência. E quando você para, entra num quadro de abstinência muito grave. Por isso parar sem ajuda é muito difícil, você precisa dessensibilizar esse mecanismo aos poucos — explica Elnara Negri, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

O que funciona para largar o cigarro?

Em julho do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a 1ª diretriz de tratamento clínico voltada para pessoas que querem deixar de fumar. O documento reúne as intervenções consideradas eficazes para a cessação do tabagismo.

A organização estima que 60% dos 1,25 bilhão de consumidores de tabaco pelo mundo (750 milhões) desejam largar o hábito e destaca que as recomendações são válidas tanto para o cigarro convencional, como para os eletrônicos, o artesanal, narguilés, charutos, entre outros.

Segundo a nova diretriz, combinar remédios com intervenções comportamentais é a forma mais eficaz de cessar o tabagismo. Entre as alternativas farmacológicas, há a Terapia de Reposição de Nicotina (TRN), como adesivos, pastilhas e gomas de nicotina, e os remédios bupropiona, vareniclina e citisina.

Já a intervenção comportamental se caracteriza por estratégias como aconselhamento médico, terapia comportamental cognitiva (TCC)e grupos de apoio. Qualquer estratégia, especialmente a medicamentosa, deve ser recomendada e supervisionada por um profissional.

— A abordagem de terapia é a inicial e funciona para entender de onde vem a dependência, auxiliar a parar de fumar e a manter a abstinência. É uma intervenção muito eficaz e dá um suporte significativo principalmente no momento da abstinência. Mas, para algumas pessoas que têm uma dependência elevada, é indicado também o uso de medicamentos — conta Mariana Pinho, coordenadora do projeto Tabaco da ACT .

O Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PCNT), oferece de forma gratuita acesso às terapias de reposição, à bupropiona e a terapia cognitivo comportamental.

Sobre os remédios, Elnara explica que a bupropiona “diminui a vontade de fumar por meio de mecanismos no cérebro que promovem bem-estar e fazem o paciente sentir menos os efeitos da falta de nicotina”.

Já a vareniclina e a citisina, os outros remédios indicados pela OMS, mas indisponíveis no SUS, têm uma ação diferente: se ligam diretamente aos receptores de nicotina no cérebro. A vareniclina é uma alternativa mais antiga, mas que hoje não tem fácil acesso no Brasil nas farmácias, o que é considerado um problema.

— Infelizmente estamos passando por um momento de dificuldade não só no Brasil, mas em outros países. Estamos sem por problemas químicos, contaminação por metal pesado na sua fabricação, segundo a empresa responsável. Mas aqui também não temos o genérico, a que outros países já têm acesso — diz a coordenadora da SBPT.

Em um dos trabalhos, publicado no periódico JAMA, 32,6% (um terço) dos participantes que receberam o medicamento continuavam em abstinência três meses após interromperem o fumo, percentual que foi de apenas 7% no grupo placebo. O remédio, porém, ainda não foi aprovado com essa finalidade no Brasil.

Em relação aos medicamentos no SUS, em 2019 a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) avaliou a inclusão da vareniclina, mas recomendou que o fármaco não fosse ofertado na rede pública pelo alto custo.

Porém, em 2023, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) publicou uma carta aberta em que defendeu oferecer o remédio no SUS citando a existência da vareniclina genérica, que tem custo reduzido, e chamando já a atenção para a “ótima eficácia e tolerabilidade” observada com a citisina, ainda que pendente de aprovação.

Maria Enedina, da SBPT, diz que a entidade vai “buscar entender o processo para que a citisina, já utilizada em outros países, inclusive na forma genérica, seja aprovada para uso no Brasil”.

Cigarros eletrônicos não são alternativa

Um método que seria eficaz para reduzir o fumo convencional adotado por países como Reino Unido e Suécia é o uso de modelos eletrônicos que, embora sejam nocivos, causariam menos danos do que os tradicionais. No entanto, a estratégia não é recomendada nem pela OMS, nem pelas especialistas brasileiras.

— Muitas evidências mostram que uma parcela grande volta a fumar os convencionais e passa a fazer o uso dos dois. Então é uma falsa premissa que os cigarros eletrônicos ajudam a parar de fumar, você não se livra da dependência de nicotina. Fora os problemas que o cigarro eletrônico continua a causar — diz Elnara.

Além disso, Mariana, da ACT, afirma que tem se observado uma dependência maior de nicotina com os cigarros eletrônicos do que a com os modelos convencionais, o que tem levado a uma nova geração de fumantes.

— As pessoas que consomem cigarros eletrônicos estão tendo muito mais dificuldade na hora de parar de fumar. Suspeitamos que seja porque a nicotina nos dispositivos eletrônicos tenha uma absorção muito mais rápida pelo organismo, e estabeleça a dependência química de forma mais significativa. Isso deixa a pessoa dependente mais rápido e com uma intensidade muito forte.

Jornal O Globo

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