Projeto de pesquisa espera aprovação da Anvisa; técnica promete mudar o prognóstico de pacientes que não possuem mais opções de tratamento
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Um dos principais avanços no tratamento do câncer é a terapia celular CAR-T (receptor quimérico de antígeno) – um tipo de imunoterapia que utiliza células do sistema imune do próprio paciente para combater e eliminar as células doentes. A tecnologia, que deve mudar o prognóstico das pessoas com linfomas e leucemias, começará a ser testada em breve no Hospital Israelita Albert Einstein, que aguarda apenas a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar a pesquisa no Brasil.
A tecnologia celular CAR-T já está aprovada nos Estados Unidos há cinco anos. Por enquanto, a indicação é apenas para pacientes refratários (que não respondem ao tratamento convencional) ou que tiveram recidiva e não possuem mais opções terapêuticas. No Brasil, começou a ser testada de forma experimental por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) de forma compassiva (por decisão médica quando não há mais opções de tratamento). Assim que o pedido do Einstein for aprovado pela Anvisa, este será o primeiro protocolo de pesquisa clínica totalmente nacional a ser realizado no país.
Como funciona?
Para se preparar para o procedimento, o paciente passa por um condicionamento parecido ao que é feito antes do transplante de medula óssea. O tratamento com a tecnologia CAR-T consiste em retirar os linfócitos T do paciente, levar essas células para o laboratório onde os linfócitos serão isolados e multiplicados. Em seguida, essas células são colocadas em contato com um vetor viral (incapaz de causar doença) que possui a informação genética de um receptor presente na superfície das células tumorais de cânceres hematológicos.
Essa é a chamada “reprogramação” celular, que vai fazer com que o vetor faça as células T (linfócitos) originem as células CAR-T que serão usadas na terapia. Esse material é congelado e passa por rigorosos testes de controle de qualidade antes de ser reinfundido no paciente. Em seguida, de volta à corrente sanguínea do paciente, esses linfócitos vão reconhecer as células do câncer de forma mais eficaz e vão agir para eliminá-las do organismo.
No Einstein, a pesquisa envolve vários setores do hospital e dezenas de profissionais. Ela será conduzida pela equipe do médico hematologista Nelson Hamerschlak, coordenador da Unidade de Transplante de Medula Óssea do hospital, por meio do programa Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde). O protocolo de pesquisa é de fase 1 (testa a eficácia e a segurança do procedimento) e prevê que a tecnologia seja usada em 30 pacientes, mas, nesse primeiro momento, 10 pacientes participarão.
Entusiasta do procedimento, Hamerschlak ressalta que ainda não sabe se esse tratamento será um substituto do transplante de medula óssea, por exemplo. A principal indicação, por enquanto, é para casos avançados e sem opção terapêutica. “Cada um tem o seu espaço. Às vezes o paciente vai precisar fazer o CAR-T primeiro e depois o transplante. Talvez o contrário também. Não é uma competição entre os dois tratamentos e nem uma substituição”, diz o hematologista, que reforça, no entanto, que a expectativa é que com o tempo essa tecnologia seja indicada para casos mais precoces da doença.
Hamerschlak destaca ainda que assim como outros tratamentos, a terapia CAR-T não é totalmente inócua. “Há risco de o paciente sofrer com a síndrome de liberação de citocinas, como acontece em algumas pessoas que tem Covid-19, e algumas síndromes neurológicas”, ponderou o médico.
Outro fator importante é o custo do procedimento, ainda bastante caro. Hoje em dia, diz Hamerschlak, apenas os insumos para a realização de uma terapia CAR-T para uma única pessoa custam em torno de US$ 350 mil a US$ 500 mil (cerca de R$ 2,5 milhões de reais), fora os custos com preparação do paciente (com imunoterapia e quimioterapia), internação e possíveis complicações.
“Por outro lado, a tecnologia de CAR-T que estamos desenvolvendo no Einstein deve custar cerca de 10% desse valor, ficando em torno de US$ 35 mil (cerca de R$ 192 mil). O custo-efetividade do tratamento é uma questão amplamente discutida pelos cientistas”, afirmou o hematologista.
O Einstein adquiriu o equipamento que é usado para fazer a reprogramação celular e todo o procedimento será feito dentro do hospital, sem precisar levar as células para outros ambientes, o que aumenta a segurança e reduz riscos. “A vantagem dessa nossa pesquisa é que todo o procedimento, do início até o final, será feito no Einstein. Por enquanto vamos testar em pacientes com leucemia linfocítica B e linfoma tipo B, mas nada impede que, no futuro, o Proadi expanda para outras doenças, como o mieloma múltiplo, por exemplo”, finalizou Hamerschlak.