Texto: Marconi Maffezzolli
Fotos: Cícero Oliveira/ pesquisadores
Basta ouvir o barulho daquele “motorzinho” para que as sensações de desconforto e dor já sejam antecipadas e sentidas por quem ainda está na sala de espera do consultório odontológico. Quem não passou por isso, pelo menos conhece alguém que morre de medo de ir ao dentista. Uma boa notícia para essas pessoas é que já existe um procedimento que dispensa o uso desse “motorzinho” no tratamento de alguns casos de dentes cariados.
Trata-se de uma técnica microinvasiva aperfeiçoada por um grupo de pesquisadores do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que consiste em interromper o processo de formação de cárie que não tenha gerado um orifício, uma cavidade no esmalte dentário. Esse procedimento é realizado por meio de aplicação de material selante na área lesionada sem necessidade de perfurar, de abrir o dente.
De acordo com a professora do Departamento de Odontologia da UFRN e uma das pesquisadoras desse grupo, Isauremi Vieira de Assunção, alguns dentes podem apresentar lesão de cárie que atingem parte da dentina (camada interna), mas sem que se perceba, a olho nu, orifícios no esmalte (camada externa). Diante dessa situação, havia a necessidade de remover parte desse esmalte, mesmo sadio, para que o dentista tivesse acesso à dentina cariada e pudesse remover o material lesionado. Depois era feita uma restauração para devolver a forma, função e estética ao dente.
Ocorre que, por melhores que sejam os materiais usados nessas restaurações, elas não duram para sempre e, em determinado momento, é preciso substituí-las. E a cada substituição se remove um pouco mais do tecido dentário, para permitir que o dente receba a nova restauração, gerando um ciclo que tem como fim a perda do dente. “O ideal é não precisar restaurar. Se esse tipo de lesão de cárie permite fazer um selamento em cima e estacionar o processo carioso sem precisar fazer abertura de cavidade para colocar restauração, isso é o melhor para a conservação da estrutura dentária sadia”, explica a professora.
Há mais de uma década pesquisando sobre a possibilidade tratar esses tipos de lesões de cárie sem a necessidade de intervir com o “motorzinho” sobre o esmalte dentário, a professora Isauremi Vieira e a equipe composta pelos professores Kênio Costa de Lima e Boniek Castillo Dutra Borges destacam que somente a partir de 2019, após a consolidação dos dados da pesquisa pelo Grupo Brasileiro de Professores de Dentística, esse novo manejo terapêutico pôde ser incorporado no ensino dos alunos de graduação em Odontologia como conduta a ser seguida no tratamento de pacientes com esse tipo de lesão dentária. “Agora, nossa intenção em divulgar essa metodologia é fazer com que os dentistas já formados conheçam e apliquem essa nova conduta terapêutica nesses casos clínicos. Dessa forma, eles contribuem para preservar e dar longevidade à estrutura dentária do paciente”, disse.
Manejo
Algumas lesões de cárie podem atingir uma parte da dentina, mesmo não sendo percebidas a olho nu cavidades no esmalte dentário. O modo tradicional de tratamento nesse tipo de caso é feito usando o “motorzinho” para furar o esmalte, remover parte da dentina lesionada e depois fazer uma restauração. Com a nova técnica, o objetivo vai ser estacionar o processo carioso, impedindo que microrganismos causadores da cárie recebam nutrientes e consequentemente morram. “Se o alimento não chega a esses microrganismos, o processo carioso não progride, pois a produção de ácido é interrompida. Desta forma, enquanto o material selador permanecer intacto, os microrganismos morrem por inanição e não há progressão do processo carioso”, explica.
A técnica consiste em isolar e aplicar na área lesionada um condicionamento ácido. Depois é feita a aplicação de um material selante diretamente sobre o esmalte dentário sem necessidade de usar “motorzinho”, de aplicar anestesia e, principalmente, sem desgastar o tecido dentário sadio. “Mesmo quando o selante falhar e for necessário aplicá-lo novamente, a técnica é repetida da mesma forma inicial, sem danificar o esmalte.” Nisso está o principal benefício dessa abordagem terapêutica de intervenção minimamente invasiva. Para a professora, “não tem nada melhor do que a preservação da estrutura dentária, por isso é importante sempre aplicar as técnicas de menor invasibilidade para se chegar ao sucesso clínico e à durabilidade do elemento dentário”.
Desde as primeiras pesquisas, há cerca de dez anos, até esse conhecimento ser inserido no ensino odontológico, os estudos sobre esse novo manejo terapêutico resultaram na publicação de três artigos internacionais – em 2010 (link), 2011 (link), 2012 (link) – e de um capítulo de livro Manejo de lesões de cárie em esmalte e dentina na clínica infantil. “E antes de ensinar essa técnica para os alunos também foi preciso demonstrar a validade científica do procedimento e isso foi feito por meio da realização de ensaios clínicos com pacientes que foram avaliados após doze meses e após três anos para verificar os resultados no tratamento”, concluiu.
fonte: UFRN