UFRN: Dispositivo inovador propicia simulação de procedimento clínico de forma mais realística


Por Wilson Galvão – AGIR/UFRN
Fotos: Cicero Oliveira – Agecom/UFRN

Os acessos vasculares estão entre os procedimentos mais realizados no âmbito da saúde, seja para colher amostras de sangue ou para administrar medicamentos e nutrientes diretamente nos vasos sanguíneos, com o propósito de realizar os mais diversos procedimentos terapêuticos e diagnósticos. Popularmente, é comumente conhecida como “pegar a veia”. Uma “técnica” muito difundida para facilitar o acesso é colocar o garrote – usualmente uma liga de borracha – no braço, para que a veia da qual o sangue será coletado fique mais visível devido ao aumento da pressão sanguínea.

Com o nome Dispositivo ajustável ao corpo para treinamento de acessos vasculares, a tecnologia pode ser usada para as habilidades específicas ou para integrar cenários clínicos mais complexos

Embora seja tecnicamente simples, o acesso vascular pode revestir-se de surpreendente dificuldade na prática. Professor da Disciplina de Medicina e Urgência no Departamento de Medicina Integrada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o cientista José Luiz de Souza Neto identificou dificuldades no ensino da habilidade de realizar acessos vasculares que o motivaram ao desenvolvimento do Dispositivo Ajustável ao Corpo para Treinamento de Acessos Vasculares, uma tecnologia inovadora que recebeu, no último dia 22 de junho, a concessão do seu patenteamento. Nela, há a possibilidade de treinar a obtenção de acessos vasculares de uma forma realística, segura e em uma plataforma que pode ser utilizada em cenário variados, seja ele em um laboratório de treinamento simulado, em uma ambulância em movimento ou em um treinamento militar de campo.

José Luiz coloca que a forma realística é possível, pois o corpo estrutural do dispositivo é composto por camadas superpostas que reproduzem as características visuais e táteis de tecidos vivos íntegros ou lesionados. Além dessas camadas, o dispositivo possui uma camada de anteparo de proteção para o usuário do equipamento e uma camada de conforto para uma acomodação mais fácil e agradável. “Como o dispositivo é ajustável ao corpo do usuário, o treinamento implica em uma interação ‘pessoa-pessoa’, permitindo o aprendizado de competências muito além do meramente psicomotor, também capacitando em comunicação e até mesmo em atitudes necessárias diante de um paciente real, tais possibilidades não seriam tão bem exploradas em um manequim inanimado. A nova tecnologia funciona assim como um simulador que se destina ao treinamento da realização de acessos vasculares”, explica o docente. Ele exemplifica citando que a coleta de uma amostra de sangue para exame só é possível porque o profissional que realiza o procedimento está capacitado para esta habilidade.

Dispositivo saiu do empirismo puro para assumir um tom mais técnico e científico

O acesso vascular é muito importante para possibilitar o tratamento de diversas patologias, desde infecções, desidratação e desnutrição até estados mais complexos e duradouros, como insuficiência renal e câncer. “A simulação tem papel central, na qual a realização do referido treino ocorre sem riscos para pacientes e sem consequências negativas diante de um possível insucesso. A simulação em dispositivos é preferida por evitar uso de animais nos quais existem dificuldades em seu manuseio e sofrimento destes. A desvantagem de se usar um dispositivo tipo manequim inanimado é que os aspectos psíquicos e interpessoais não são treinados de forma adequada”, acrescenta José Luiz.

Protótipo

O protótipo da tecnologia foi feito pelo próprio inventor utilizando materiais baratos e reciclados, tais como tecido, tubo de látex e tubo de PVC. Contudo, uma versão mais moderna é feita em silicones e resina, proporcionando mais percepção realística e segurança para o usuário. Atualmente, é utilizado regularmente em disciplinas da faculdade de medicina da UFRN, o que propicia um permanente aprimoramento do modelo, a partir de feedbacks dos alunos que utilizam o equipamento. Inclusive, o estágio atual já incorpora um segundo pedido de patente, denominado Luva Educacional Multipropósito, desta vez com a participação do também professor George Dantas de Azevedo em uma nova plataforma multifuncional que permite o ensino de habilidades adicionais. Embora identifique uma falta de cultura dos inventores no país para proteger a autoria do que é produzido, José Luiz acredita que o procedimento é algo de relevância capital.

“Se a universidade é o celeiro do conhecimento, eu entendo que o processo de patenteamento e de proteção da propriedade intelectual deve ser um procedimento natural de tudo o que ela produz. O brasileiro é um povo muito criativo, somos capazes de resolver grandes problemas com soluções simples e baratas. Isso acontece todos os dias. A não proteção é um gravíssimo problema e precisamos mudar essa realidade. Temos o dever de proteger as nossas boas ideias para que elas possam gerar riqueza para o nosso povo, se não fazemos isso, estamos prejudicando a nossa própria população”, defende o médico.

Com agora 34 cartas-patente concedidas, a UFRN é a universidade líder no Norte-Nordeste nesse quesito e possui uma unidade específica, a Agência de Inovação (AGIR), para realizar a proteção e gestão dos ativos de propriedade intelectual, como patentes e programas de computador. Em tempos de pandemia, as orientações e explicações a respeito dos aspectos para patentear uma determinada invenção são dadas através do e-mail patente@agir.ufrn.br ou via aplicativos de mensagens, pelo telefone 99167 6589. As notificações de invenção, por sua vez, são feitas mediante o Sigaa, por meio da aba Pesquisa. Em seguida, a equipe da AGIR entra em contato com o inventor para dar prosseguimento aos trâmites.

As várias facetas

Médico, professor, inventor, escritor de histórias infantis, dublador e cantor, o cientista José Luiz é um “personagem” inquieto, como o Rei Magno, personagem do audiolivro Rei Espantalho – de sua autoria – que precisou se redescobrir e, a partir dessa mudança, ajuda a melhorar o mundo ao seu redor. Aprisionado no corpo de um frágil espantalho e contando com a ajuda de um pequeno amigo, o Rei precisou se reinventar para vencer o poder da Bruxa Malícia e seu exército do mal para trazer de volta a harmonia ao reino.

“Na dificuldade, é que a gente cresce. Na escassez, que a gente encontra a saída. Quando estava tudo bem, ele involuiu. Quando ele passou por uma dificuldade, ele viu que o mais importante que havia era fazer o bem e se preocupar com o outro. Fazendo um exercício de analogia, quando a gente cria uma inovação, buscamos mais o bem comum do que o nosso próprio bem, estamos tentando resolver o problema de muitas pessoas. O que a gente procura, quando tem uma inovação, é diminuir sofrimento, curar pessoas. Na medicina, fazemos muito isso. Procurar um medicamento melhor, encontrar uma saída para resolver um problema terapêutico para a pessoa”, pontua o docente.

No livro, a trajetória para se redimir começa quando o monarca percebe que a verdadeira nobreza está no coração, nas atitudes, e não na coroa em si. No final – spoiler! –, ele consegue salvar o reino através de um passarinho dado a sua filha, a princesa Miosótis. Na vida real, a obstinação de José Luiz já rendeu uma concessão de patente, profissionais melhor formados e pacientes melhor atendidos.

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