Wilson Galvão – AGIR/UFRN
Ambientes com a presença de produtos químicos exigem, naturalmente, uma maior prudência no manuseio dos recipientes. Essa condição impõe restrições às pessoas usualmente; paremos para pensar um pouco mais: e para as pessoas com deficiência, que não conseguem ler as informações que indicam o que contém determinado frasco? Em um ambiente hospitalar, farmacêutico ou laboratorial, com inúmeras substâncias presentes e cuja identificação desses produtos depende substancialmente de uma rotulagem alicerçada em informações visuais, o quanto de impeditivo essas pessoas enfrentam?
Esse raciocínio de empatia foi uma das razões que moveu um grupo de sete pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da área de Ciência dos Materiais, a desenvolver um molde inovador que permite a confecção de rótulos em braille para produtos químicos. Esse dispositivo facilita a identificação segura de soluções químicas por pessoas com deficiência visual – por tabela, promovendo a autonomia dessas pessoas e ampliando o acesso às informações de segurança.
“Nos laboratórios, adaptar práticas para atender a todas as pessoas ainda é um desafio real. O dispositivo que criamos é uma solução simples, mas que traz um enorme benefício, que reflete o compromisso de buscar soluções que permitam a todos o acesso a procedimentos laboratoriais”, frisa Kleison José Medeiros Leopoldino. Técnico do Laboratório de Análise e Bioquímica dos Alimentos da FACISA/UFRN e um dos inventores envolvidos, ele defende que, ao criar rótulos acessíveis que apresentem identificação tátil e com audiodescrição para inclusão de pessoas cegas e com surdocegueira, a ação dialoga diretamente com a missão institucional da UFRN de ser uma universidade inclusiva e socialmente referenciada.

A tecnologia envolveu contribuições de equipes das cidades de Natal e Santa Cruz – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN
Outro inventor, o professor Bismarck Luiz Silva, que faz parte do Grupo de Pesquisa em Tecnologia e Educação Inclusiva, relata que o sistema permite a devida identificação de produtos químicos, com a inclusão de informações em braille, diagrama de Hommel em alto-relevo e identificação tátil de cores, apresentados na presente invenção. Além disso, incorpora um espaço em alto-relevo para QR codes que direcionam ao conteúdo de audiodescrição, voz e Libras. “Embora existam soluções isoladas, como rótulos em braille e QR codes, a integração dessas tecnologias em um único sistema multifuncional ainda não foi realizada.” Destacando a importância da engenharia de materiais no contexto do desenho universal, na busca de materiais acessíveis que garantam aplicabilidade em diferentes contextos, desde ambientes industriais e laboratoriais-educacionais até setores de manipulação farmacêutica e hospitalar, buscando utilizar o conhecimento da estrutura e processamento em aplicações de materiais de engenharia assistiva.
Edson Noriyuki Ito, professor da UFRN e coordenador do grupo de pesquisa de reologia e processamento de polímeros que cooperou no desenvolvimento da invenção, descreve que a aplicação é imediata para aulas práticas, atividades de extensão e pesquisas que envolvam o uso de reagentes e soluções químicas. “Ao permitir a leitura de rótulos por meio da gráfica braille, o dispositivo possibilita a participação de todos os estudantes, com e sem necessidades educacionais específicas (NEE), fortalecendo uma cultura de inclusão no fazer científico. O molde que fizemos também melhora significativamente a segurança de procedimentos no laboratório, beneficiando todos os usuários. A acessibilidade, neste caso, extrapola o aspecto individual e promove melhorias coletivas, como deve ser toda boa prática pública”, pontua o docente do Departamento de Engenharia de Materiais e do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais (PPGCEM).
Ito acrescenta que o protótipo criado está em uso no Laboratório de Análise e Bioquímica dos Alimentos. Segundo o professor, o molde demonstrou sua alta funcionalidade em atividades práticas, demonstrando sua funcionalidade para alunos com ou sem Necessidades Educacionais Específicas. Atualmente, ele complementa que o grupo de pesquisadores está refinando o design e testando novos materiais para ampliar a durabilidade e aplicabilidade.

Kleison destaca que a patente promove a autonomia de pessoas com deficiência visual – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN
“Ou seja, buscamos aprimorar o modelo. Essa invenção está servindo de base para uma série de inovações que garantam a participação plena de todos em ambientes laboratoriais. Outro exemplo é que temos pipetadores, ferramenta que promove a sucção de líquidos, para pessoas com mobilidade reduzida, e outros instrumentos laboratoriais para pessoas com cegueira que já estão em uso, mas que necessitam melhorar seu design. Em nossa equipe, estamos inserindo pessoas com necessidades educacionais específicas (NEE) para nos ajudar nessas novas inovações, como a Albanizia Ferreira Campelo. Hoje, estamos trabalhando com sistemas de cores, de instrumentos de medição laboratoriais e de softwares capazes de estimular mais de um dos nossos sentidos humanos a fim de buscar um design mais universal. Todo esse contexto reforça o papel da pesquisa na promoção de uma universidade acessível e inclusiva, esforço cujo parâmetro encontramos nos nossos documentos institucionais, como o Plano de Acessibilidade da UFRN e o Plano de Desenvolvimento Institucional.”
Isaac de Santana Bezerra, doutorando em Ciência e Engenharia de Materiais pela UFRN, destaca que a escolha dos materiais utilizados no molde foi orientada pela necessidade de garantir resistência química e estabilidade dimensional, considerando o contato frequente com substâncias reagentes. Segundo ele, “foi essencial utilizar polímeros compatíveis com a impressão 3D e que suportassem o manuseio em ambientes agressivos, como laboratórios e hospitais. Além disso, o molde foi projetado com encaixes modulares que facilitam a adaptação para diferentes tamanhos de frascos, tornando o sistema mais versátil e reutilizável.” Essa abordagem técnica assegura não apenas a durabilidade do dispositivo, mas também sua aplicabilidade em uma ampla gama de contextos.
Além de Kleison Leopoldino, Edson Ito, Bismarck Luiz Silva e Isaac de Santana Bezerra, a pesquisa que deu origem à inovação contou com a participação de Madson Luiz Galliza Oliveira, Júlio Mateus Santos da Silva e Luís Eduardo da Silva Lima. O depósito de pedido de patente, ação necessária para proteger a invenção, ocorreu no mês de abril junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sob o nome “Sistema integrado para rotulagem acessível com identificação tátil e audiodescrição fabricado por impressão 3D, seu método de produção e uso”.

Uma das características da invenção é a acessibilidade – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN
O procedimento para um inventor submeter sua descoberta para patentear tem início no próprio Sigaa, na aba Pesquisa, com a notificação de invenção. Após executar esse procedimento, os pesquisadores enviam os dados dos inventores e o texto da patente para o e-mail da Agência de Inovação. Os pormenores seguintes são também acompanhados pela equipe da Agência, bem como os pagamentos de taxas, que são realizados pela Universidade.
Ao fazer o depósito, a tecnologia passa a integrar a vitrine tecnológica da UFRN, grupo de invenções composto pelos pedidos e concessões de patentes e pelos programas de computador que receberam registro do INPI. A lista contém mais de 700 ativos e está disponível para acesso e consulta no site da Agência de Inovação (www.agir.ufrn.br). Dentro da Universidade, a Agência de Inovação (Agir) é a unidade responsável pela proteção e a gestão desses ativos de propriedade intelectual.
“Patentes acadêmicas não apenas estimulam a inovação, mas também reafirmam o compromisso da universidade pública com a produção de conhecimento aplicado às necessidades específicas de todos. Este nosso processo demonstra que a acessibilidade pode e deve ser tratada como eixo central de desenvolvimento científico e tecnológico”, pondera Ito.
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