Pasta evita dar uma previsão de quando a população poderá ser vacinada, mas expectativa é incluir o imunizante na rede pública no primeiro semestre do ano que vem
Oito meses após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizar uma nova vacina contra dengue no Brasil, o Ministério da Saúde ainda negocia com a farmacêutica japonesa Takeda a incorporação do imunizante Qdenga na rede pública. Há, no entanto, entraves para o acordo ser fechado, como preço considerado elevado pelo governo, incertezas sobre a capacidade de produção e restrições no público-alvo que poderá receber as doses. Embora a expectativa seja de incluir o produto no Sistema Único de Saúde (SUS) no primeiro semestre do ano que vem, a pasta tem evitado dar uma previsão de quando a população poderá ser vacinada.
Os apontamentos apresentados na negociação são da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), responsável por julgar a inclusão de medicamentos no SUS. Uma proposta foi apresentada pela farmacêutica no dia 31 de julho e o órgão tem 180 dias para dar um parecer. O ministério afirma ser preciso aguardar essa avaliação antes de decidir pela oferta do imunizante à população.
Um dos entraves é o preço por dose, considerado alto pelo Ministério da Saúde. O valor proposto pela Takeda inicialmente foi de R$ 170, inferior ao aprovado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), de R$ 281,42 — que serve como base para a negociação.
Ainda assim, a Saúde pede um desconto, tendo em vista que o preço oferecido está acima de todas as demais vacinas do Programa Nacional de Imunizações (PNI). A dose mais cara hoje custa R$ 120.
O laboratório afirma que o preço ainda deverá ser revisado, mesmo sendo “um dos menores aprovados em comparação com outras vacinas inovadoras”. O valor passará ainda por negociação.
Além do custo por dose, há preocupação no governo sobre a capacidade de entrega das vacinas para toda a população que pode ser protegida pela Qdenga: pessoas de 4 a 60 anos, independentemente de já terem sido infectadas pela dengue ou não. Segundo integrantes do ministério ouvidos pelo GLOBO, o receio se dá porque a Takeda não é uma produtora grande como a Pfizer ou o Instituto Butantan.
A ressalva é alimentada pela própria proposta do laboratório, que sugeriu à pasta imunizar apenas crianças de 4 anos e adultos de 55. Ao GLOBO, a empresa diz que usou como foco “a prevenção de casos e redução de hospitalizações/mortes por dengue”. Ainda segundo a Takeda, a documentação enviada ao governo brasileiro foi desenvolvida a partir de recomendações de especialistas em dengue, vacinação e saúde pública.
Embora a empresa não informe o total de doses oferecidas ao Brasil, ela assegura ter capacidade para atender a demanda dos grupos prioritários propostos ao Ministério da Saúde. “Considerando o histórico de incorporação de outras vacinas, esse volume é um dos maiores já disponibilizados por uma farmacêutica para uma campanha inicial de vacinação”, diz, em nota.
De acordo com o Ministério da Saúde, nos preços atuais e restrições propostas pelo laboratório, a incorporação da vacina no sistema público traria um impacto de cerca de R$ 9 bilhões em cinco anos.
“A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou a vacina Qdenga para o público entre 6 e 16 anos, que também não está contemplado na proposta enviada pela Takeda à Conitec”, afirma o ministério, em nota. A orientação da OMS foi publicada no fim de setembro, após a proposta inicial ser encaminhada.
Mesmo com os entraves, a porta-voz da Takeda no Brasil, Vivian Lee, diz estar confiante que a aprovação para incorporar o imunizante no SUS venha em janeiro de 2024.
— No mais tardar em abril. Não vamos medir esforços para prover e priorizar a vacina para a população brasileira e estamos à disposição do governo para negociar e discutir possibilidades — disse ela.
A previsão é considerada otimista por integrantes do governo, uma vez que a análise da Conitec está parada desde 5 de outubro, quando técnicos da comissão fizeram novas perguntas à farmacêutica sobre a vacina. Segundo a empresa, o ofício com dez questões levou mais de um mês para chegar.
Vacina já está na rede particular
A Qdenga, também chamada de TAK-003, recebeu o aval da Anvisa em março para uso no Brasil em pessoas de 4 a 60 anos. A vacina começou a ser comercializada nas clínicas particulares no início de julho.
Nas clínicas, as doses podem ser encontradas por valores que variam entre R$ 400 e R$ 500. Como o esquema envolve duas aplicações, com um intervalo de três meses entre elas, o preço final fica entre R$ 800 e R$ 1 mil.
A vacina não é a primeira contra a dengue recomendada pela OMS ou a receber um aval da Anvisa. Em 2015, o Brasil aprovou a Dengvaxia, desenvolvida pela Sanofi, que se tornou o primeiro imunizante para a doença com o sinal verde no país.
Contudo, o público-alvo restrito levou a Dengvaxia a não ter uma alta adesão — ela é indicada apenas aos que já foram contaminados anteriormente para evitar um quadro de reinfecção mais grave.
Em pessoas que nunca tiveram dengue, a dose não se mostrou significativamente eficaz em impedir a infecção. Também não apresentou o perfil ideal de segurança, levando à possibilidade de um risco aumentado de casos graves no período após a vacinação.
Dengue no Brasil
Neste ano, o país já é o primeiro do mundo no ranking de casos de dengue, e já ultrapassou o total do ano passado. Segundo as últimas atualizações epidemiológicas do Ministério da Saúde, são mais de 1,6 milhão de casos, 23,4 mil casos graves e 1.000 óbitos.
Em 2022, ano que bateu recorde de mortes, foram 1,4 milhão de casos, 16,3 mil casos graves e 1.016 óbitos pela doença.
JORNAL O GLOBO