Atualmente, os medicamentos antirretrovirais exigem uso contínuo e ininterrupto para evitar que o vírus volte a circular na corrente sanguínea
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Na década de 1990, receber o diagnóstico de infecção pelo vírus HIV (causador da aids) era como uma “sentença de morte”. Não havia tratamentos disponíveis e a evolução natural do paciente era essa. Mas, logo que surgiram os primeiros medicamentos contra o HIV, o cenário começou a mudar e o Brasil se tornou pioneiro e referência mundial nas políticas públicas de tratamento da doença.
De acordo com David Lewi, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein, o tratamento contra o HIV evoluiu muito desde a chegada da primeira medicação, o famoso AZT, que atualmente está em desuso. “O AZT teve uma história muito bonita no combate à doença, mas com o passar dos anos, as drogas foram melhorando em questão de segurança e de toxicidade, os efeitos colaterais foram diminuindo e hoje em dia a maior parte dos pacientes toma apenas um comprimido diário. No exterior já há casos de pacientes que tomam injeções mensais”, explica o médico, que também é professor aposentado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Atualmente, a terapia com os antirretrovirais tem como objetivo tornar a carga viral indetectável — o que não deixa a pessoa livre do HIV, mas interrompe a transmissão do vírus. Para que o tratamento seja realmente eficaz, é necessário fazer uso contínuo e ininterrupto da medicação, senão o vírus que está latente volta a circular.
Isso acontece porque as medicações existentes atuam apenas nos vírus que estão em circulação no sangue – elas não conseguem alcançar aqueles que estão em estado de latência dentro das células. “Quando o vírus está dormente nas células, sem ativação, ele não está causando danos à imunidade e a medicação não consegue atingi-los. Se o paciente deixar de tomar o remédio, uma hora esses vírus que estão ‘hibernando’ vão voltar a circular”, detalha o médico.
Cura no futuro?
Como a falta de aderência correta aos medicamentos é uma das maiores dificuldades enfrentadas na luta contra o HIV, nos últimos dez anos os pesquisadores têm buscado um tratamento que seja por um tempo determinado, e não mais para toda a vida. “Em vez de tomar o remédio por tempo indefinido, o que se busca é que esse vírus que está latente seja expulso do ‘santuário’ e, uma vez saindo para a corrente sanguínea, seja extinto com a ação da medicação. E aí poderíamos, num futuro, parar a medicação e o paciente estaria efetivamente curado”, explica Lewi.
Outra tentativa de cura que se tem buscado é pela eliminação total do vírus – como ocorreu no caso do chamado “paciente de Berlim”. Timothy Ray Brown, considerado uma das raríssimas pessoas curadas da infecção por HIV, foi diagnosticado com leucemia mieloide aguda e recebeu, em 2007, um transplante de medula óssea de um doador com uma mutação genética que garantiria resistência contra o vírus.
“Os médicos escolheram um doador de medula compatível, que tinha essa deleção genética que impedia o vírus HIV de penetrar nas células. E deu certo. A partir disso, houve mais alguns poucos casos como esse no mundo, mas ninguém pensa em instituir isso como prática clínica porque, além de ser um procedimento caro, o transplante de medula óssea por si só tem risco de mortalidade”, afirma.
Estuda-se, também, o uso da terapia celular contra a doença. Em uma pesquisa realizada pela Unifesp, em conjunto com o Istituto Superiore di Sanità, de Roma (Itália), os cientistas fizeram o sequenciamento genético do vírus circulante nas células de cada paciente. Em seguida, essas células foram processadas e reinfundidas, como em um transplante autólogo de medula (quando as células do próprio paciente são coletadas e utilizadas posteriormente). Dois dos participantes do estudo ficaram com RNA viral indetectável no protocolo experimental, o que mostra um possível caminho para terapia celular personalizada contra o HIV, levando em conta tanto o sistema imunológico do paciente quanto o perfil do vírus do indivíduo. Os resultados foram publicados na revista científica AIDS Research and Therapy.
Vacina contra HIV
O desenvolvimento de uma vacina contra o HIV também é outra tentativa dos pesquisadores. “O HIV é um vírus que sofre várias mutações e até hoje nenhum centro conseguiu criar um anticorpo por meio de alguma vacina que conseguisse eliminá-lo. O HIV cria subterfúgios contra esses anticorpos. Infelizmente, todas as vacinas tentadas até agora não induziram imunidade suficiente contra o HIV”, explica Lewi.
Segundo o infectologista, vários centros no mundo todo estão em busca da cura do HIV, mas, para ele, o mais promissor é o desenvolvimento de um tratamento definitivo. “O que destaco hoje é a facilidade com que o paciente toma a medicação, com esquemas cada vez mais simples e com baixíssimo efeito colateral. Nesse exato momento ainda é fundamental o paciente ter aderência ao tratamento. Mas eu vislumbro que, no futuro, talvez daqui uns cinco anos, a gente possa falar em tratamento definitivo, por um tempo pré-determinado, até que o paciente possa suspender o remédio e se considerar curado”, finalizou.
Vacinas, terapia celular e definitiva: o que o futuro trará para o tratamento contra o HIV?
Vacinas, terapia celular e definitiva: o que o futuro trará para o tratamento contra o HIV?
Atualmente, os medicamentos antirretrovirais exigem uso contínuo e ininterrupto para evitar que o vírus volte a circular na corrente sanguínea
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Na década de 1990, receber o diagnóstico de infecção pelo vírus HIV (causador da aids) era como uma “sentença de morte”. Não havia tratamentos disponíveis e a evolução natural do paciente era essa. Mas, logo que surgiram os primeiros medicamentos contra o HIV, o cenário começou a mudar e o Brasil se tornou pioneiro e referência mundial nas políticas públicas de tratamento da doença.
De acordo com David Lewi, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein, o tratamento contra o HIV evoluiu muito desde a chegada da primeira medicação, o famoso AZT, que atualmente está em desuso. “O AZT teve uma história muito bonita no combate à doença, mas com o passar dos anos, as drogas foram melhorando em questão de segurança e de toxicidade, os efeitos colaterais foram diminuindo e hoje em dia a maior parte dos pacientes toma apenas um comprimido diário. No exterior já há casos de pacientes que tomam injeções mensais”, explica o médico, que também é professor aposentado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Atualmente, a terapia com os antirretrovirais tem como objetivo tornar a carga viral indetectável — o que não deixa a pessoa livre do HIV, mas interrompe a transmissão do vírus. Para que o tratamento seja realmente eficaz, é necessário fazer uso contínuo e ininterrupto da medicação, senão o vírus que está latente volta a circular.
Isso acontece porque as medicações existentes atuam apenas nos vírus que estão em circulação no sangue – elas não conseguem alcançar aqueles que estão em estado de latência dentro das células. “Quando o vírus está dormente nas células, sem ativação, ele não está causando danos à imunidade e a medicação não consegue atingi-los. Se o paciente deixar de tomar o remédio, uma hora esses vírus que estão ‘hibernando’ vão voltar a circular”, detalha o médico.
Cura no futuro?
Como a falta de aderência correta aos medicamentos é uma das maiores dificuldades enfrentadas na luta contra o HIV, nos últimos dez anos os pesquisadores têm buscado um tratamento que seja por um tempo determinado, e não mais para toda a vida. “Em vez de tomar o remédio por tempo indefinido, o que se busca é que esse vírus que está latente seja expulso do ‘santuário’ e, uma vez saindo para a corrente sanguínea, seja extinto com a ação da medicação. E aí poderíamos, num futuro, parar a medicação e o paciente estaria efetivamente curado”, explica Lewi.
Outra tentativa de cura que se tem buscado é pela eliminação total do vírus – como ocorreu no caso do chamado “paciente de Berlim”. Timothy Ray Brown, considerado uma das raríssimas pessoas curadas da infecção por HIV, foi diagnosticado com leucemia mieloide aguda e recebeu, em 2007, um transplante de medula óssea de um doador com uma mutação genética que garantiria resistência contra o vírus.
“Os médicos escolheram um doador de medula compatível, que tinha essa deleção genética que impedia o vírus HIV de penetrar nas células. E deu certo. A partir disso, houve mais alguns poucos casos como esse no mundo, mas ninguém pensa em instituir isso como prática clínica porque, além de ser um procedimento caro, o transplante de medula óssea por si só tem risco de mortalidade”, afirma.
Estuda-se, também, o uso da terapia celular contra a doença. Em uma pesquisa realizada pela Unifesp, em conjunto com o Istituto Superiore di Sanità, de Roma (Itália), os cientistas fizeram o sequenciamento genético do vírus circulante nas células de cada paciente. Em seguida, essas células foram processadas e reinfundidas, como em um transplante autólogo de medula (quando as células do próprio paciente são coletadas e utilizadas posteriormente). Dois dos participantes do estudo ficaram com RNA viral indetectável no protocolo experimental, o que mostra um possível caminho para terapia celular personalizada contra o HIV, levando em conta tanto o sistema imunológico do paciente quanto o perfil do vírus do indivíduo. Os resultados foram publicados na revista científica AIDS Research and Therapy.
Vacina contra HIV
O desenvolvimento de uma vacina contra o HIV também é outra tentativa dos pesquisadores. “O HIV é um vírus que sofre várias mutações e até hoje nenhum centro conseguiu criar um anticorpo por meio de alguma vacina que conseguisse eliminá-lo. O HIV cria subterfúgios contra esses anticorpos. Infelizmente, todas as vacinas tentadas até agora não induziram imunidade suficiente contra o HIV”, explica Lewi.
Segundo o infectologista, vários centros no mundo todo estão em busca da cura do HIV, mas, para ele, o mais promissor é o desenvolvimento de um tratamento definitivo. “O que destaco hoje é a facilidade com que o paciente toma a medicação, com esquemas cada vez mais simples e com baixíssimo efeito colateral. Nesse exato momento ainda é fundamental o paciente ter aderência ao tratamento. Mas eu vislumbro que, no futuro, talvez daqui uns cinco anos, a gente possa falar em tratamento definitivo, por um tempo pré-determinado, até que o paciente possa suspender o remédio e se considerar curado”, finalizou.
Aids no Brasil
Mesmo que os números de novos casos estejam em queda no Brasil, eles continuam muito altos. Os dados mais recentes do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde apontam que nos últimos cinco anos a média anual de casos está em torno de 36,8 mil novos diagnósticos e vem crescendo entre homens jovens. No mundo todo, são cerca de 1,5 milhão de novos casos por ano.
no Brasil
Mesmo que os números de novos casos estejam em queda no Brasil, eles continuam muito altos. Os dados mais recentes do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde apontam que nos últimos cinco anos a média anual de casos está em torno de 36,8 mil novos diagnósticos e vem crescendo entre homens jovens. No mundo todo, são cerca de 1,5 milhão de novos casos por ano.