A ciência tem reiterado o que por muito tempo se considerou apenas intuição: existe um elo profundo entre o que comemos e a forma como pensamos, sentimos e reagimos ao mundo. Ansiedade, depressão e doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, não surgem por um único motivo. São resultado de uma interação complexa entre genética, estresse crônico, inflamação, desequilíbrios do microbioma intestinal e, cada vez mais evidente, deficiências nutricionais. Por isso, olhar para a saúde mental hoje significa também olhar para o prato.
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A consolidação do termo psiquiatria nutricional, em 2015, foi um marco para essa mudança de perspectiva. A área reúne evidências robustas mostrando que nutrientes específicos têm impacto direto na cognição, no humor, na saúde dos neurônios e até na prevenção de transtornos psiquiátricos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que quase um bilhão de pessoas convivam com algum transtorno mental — número que deve dobrar nas próximas décadas. Um dado alarmante, mas que evidencia o tamanho da oportunidade: grande parte dessas condições pode ser evitada ou atenuada com intervenções no estilo de vida, sobretudo na alimentação.
Segundo a nutricionista Laís Murta, coautora do livro “Alimente sua mente: Estratégias simples para nutrir e ortalecer a saúde mental”, a genética explica apenas cerca de 30% dos casos de depressão. Os outros 70% estão relacionados a fatores comportamentais: sedentarismo, tabagismo, estresse, sono insuficiente, excesso de telas, isolamento social e dietas pobres em nutrientes essenciais.
— Pessoas com transtornos mentais frequentemente apresentam carências de vitaminas e minerais fundamentais para o funcionamento do cérebro — diz.
A boa notícia é que mudanças na dieta — ou suplementação quando necessária — mostram resultados consistentes na redução de sintomas de ansiedade e depressão, na melhora do humor e na preservação das funções cognitivas a médio prazo.
— A alimentação é determinante para a saúde mental não apenas pela oferta de nutrientes essenciais à função neural, mas pelo papel que exerce na regulação circadiana, no microbioma intestinal, no controle hormonal e imunológico — diz Laís. — Comer é um hábito que molda rotina, humor, sono, comportamento e até a forma como lidamos com o estresse. Intervir na dieta é intervir, simultaneamente, na bioquímica e nos hábitos que sustentam o equilíbrio emocional.
A seguir, os micronutrientes mais relevantes para a saúde cerebral — e onde encontrá-los.
Vitaminas do complexo B — essenciais para energia, cérebro e humor
Participam da produção de neurotransmissores, do equilíbrio hormonal e da prevenção de distúrbios psiquiátricos. Baixos níveis dessas vitaminas estão associados à fadiga mental, irritabilidade e maior risco de depressão.
Fontes: peixes, ovos, carne magra, folhas verde-escuras, feijões, lentilha, grão-de-bico, abacate e laticínios.
Vitamina D — bem-estar emocional
Sintetizada principalmente pela exposição ao sol, é um modulador importante da imunidade e do humor. Ajuda na prevenção de depressão e declínio cognitivo, além de aumentar o bem-estar.
Fontes: salmão, atum, sardinha, tilápia, gema de ovo, cogumelos e semente de girassol.
Vitamina E — escudo contra o estresse oxidativo
Antioxidante potente, reduz a inflamação cerebral e protege as células nervosas.
Fontes: óleo de girassol, sementes de girassol, nozes, amêndoas, abacate, espinafre, brócolis e manga.
Vitamina K — aliada do cérebro e da memória
Reduz o estresse oxidativo e auxilia a integridade das células cerebrais.
Fontes: couve, espinafre, brócolis, alface, abacate, salsa e kiwi.
Cálcio, zinco e selênio — regulam humor e resposta ao estresse
Participam da sinalização celular, regulam hormônios e combatem inflamação, essenciais para o equilíbrio emocional.
Fontes de cálcio: laticínios, sardinha, folhas verde-escuras, sementes (gergelim, abóbora e girassol).
Fontes de zinco: frutos do mar, carnes magras, sementes (abóbora e girassol).
Fonte de selênio: castanha-do-pará, cogumelos, ovos e grãos integrais.
Cobre — comunicação eficiente entre neurônios
Fundamental para a produção de neurotransmissores e manutenção da saúde cognitiva.
Fontes: frutos do mar, castanhas, sementes, leguminosas, grãos integrais, abacate e batata-doce.
Ferro — energia e clareza mental
É cofator na produção de dopamina, neurotransmissor essencial para a regulação do humor e o desempenho cognitivo.
Fontes: carnes, frango, frutos do mar, leguminosas, folhas verde-escuras, quinoa e sementes.
Magnésio — menos ansiedade e estresse
Regula o sistema nervoso, atua na síntese de energia. Sua deficiência está ligada a ansiedade e irritabilidade.
Fontes: espinafre, sementes de abóbora, feijões, abacate, banana, quinoa, aveia e brócolis.
A relação entre nutrição e saúde mental é ampla, complexa e profundamente transformadora.
— Nossas escolhas diárias são a base da saúde. Cada refeição, movimento e momento de autocuidado contribuem para nossa vitalidade e equilíbrio mental — reforça Eliane Contreras, jornalista e coautora do livro.
No fim, alimentar-se bem não é apenas nutrir o corpo — é fortalecer a mente, preservar a memória, suavizar emoções e construir, dia após dia, a base bioquímica de uma vida mais equilibrada, lúcida e saudável.


