Aprovado pela Anvisa em abril, o donanemabe atua diretamente na possível causa da doença, que representa a maioria dos casos de demência
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
No último dia 22 de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso do donanemabe, um medicamento inovador para o tratamento da doença de Alzheimer em estágios iniciais. Considerado um avanço, trata-se de uma terapia imunológica que tem o objetivo de reduzir os depósitos de proteína no cérebro associadas à condição.
A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência – representa cerca de 70% dos casos. No Brasil, o cenário é especialmente preocupante: segundo o Relatório Nacional sobre a Demência (RENADE), divulgado em setembro de 2024 pelo Ministério da Saúde, oito em cada dez pacientes não recebem diagnóstico e, consequentemente, ficam sem tratamento.
O diagnóstico é clínico e tem início a partir da queixa do próprio paciente ou de um familiar próximo, que observa episódios recorrentes de esquecimento e dificuldades de memória. A partir daí, devem ser realizados testes específicos para avaliar as funções cognitivas e o grau de comprometimento da autonomia nas atividades diárias.
Ainda de acordo com o relatório, cerca de 8,5% da população brasileira com 60 anos ou mais têm algum tipo de demência – o que representa cerca de 2,71 milhões de casos. Com o envelhecimento progressivo da população, a perspectiva se torna mais alarmante: estima-se que o número de casos de demência no país quase triplique até 2050. Diante desse cenário, a busca por alternativas que ofereçam benefícios mais substanciais e acessíveis aos pacientes é cada vez mais necessária.
Como age o donanemabe
O Alzheimer se manifesta por uma progressiva deterioração da memória, da linguagem, do comportamento e da capacidade de realizar tarefas do dia a dia. A condição está associada ao acúmulo anormal de duas proteínas no cérebro: tau e beta-amiloide, que provocam a morte dos neurônios e levam ao avanço do quadro neurodegenerativo ao longo dos anos.
O anticorpo monoclonal recém-aprovado pela Anvisa atua diretamente na remoção das placas de beta-amiloide no cérebro. “Diferentemente dos medicamentos inibidores de acetilcolinesterase, como donepezila, rivastigmina e galantamina, que aumentam a disponibilidade de acetilcolina, um neurotransmissor fundamental para memória, cognição e aprendizado, o donanemabe é considerado um avanço na área porque age na raiz do problema, em vez de somente aliviar os sintomas cognitivos”, explica a neurologista Polyana Piza, gerente do programa de Neurologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
Desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly, sediada nos Estados Unidos, o donanemabe será comercializado sob o nome de Kisunla. Estudos demonstraram que, com 76 semanas de uso, ele pode reduzir em até 35% a progressão do Alzheimer em pacientes nos estágios iniciais da doença.
Potenciais riscos
Apesar dos resultados promissores, o donanemabe pode ter seu uso limitado por trazer poucos benefícios para indivíduos com quadros moderados ou graves. Estudos mostram que a remoção das placas amiloides não é suficiente para reverter os quadros de demência já estabelecidos.
Além disso, embora sejam raros, o medicamento apresenta alguns riscos, em especial o aumento de taxas de ARIA (Anormalidades de Imagem Relacionadas à Amiloide), efeito colateral associado a pequenas hemorragias e áreas de inchaço no cérebro e até a morte. Nos ensaios com o medicamento, 1,6% dos participantes que receberam donanemabeapresentou eventos graves de ARIA, com três óbitos.
Casos mais graves de Alzheimer tendem a ser mais frequentes em pessoas que carregam o gene apolipoproteína E ε4 (ApoEε4). Localizado no cromossomo 19, esse gene é considerado um importante biomarcador de risco genético para a condição. Atualmente, é possível realizar o teste genético do ApoE ε4 somente em laboratórios privados.
Os estudos evidenciam que pessoas sem cópias do gene ApoEε4 apresentam um risco significativamente menor de efeitos colaterais graves ao usar a medicação, com uma taxa de apenas 0,8% e registro de uma única fatalidade. Justamente por isso, para um paciente ser considerado elegível ao tratamento com esse tipo de fármaco, é necessário passar por uma avaliação criteriosa.
Essa triagem inclui testes genéticos para identificar a presença do ApoE ε4, além de exames de imagem, como o PET amiloide, que confirmam o acúmulo da proteína no cérebro. “O risco de pequenas hemorragias cerebrais também torna o medicamento contraindicado para quem usa anticoagulantes, o que é muito comum em idosos e pode limitar ainda mais a elegibilidade para o donanemabe”, destaca Piza.
Foi exatamente esse risco de efeitos adversos graves, como sangramentos cerebrais e mortes, que levou o Comitê de Medicamentos para Uso Humano (CHMP), da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), a emitir um parecer negativo sobre a autorização do donanemabe na Europa.
Em seu relatório, a agência reconheceu que o medicamento é eficaz na remoção das placas de beta-amiloide, mas avaliou que os benefícios clínicos obtidos até agora são modestos. Diante disso, concluiu que os riscos potenciais à saúde dos pacientes superam as vantagens terapêuticas oferecidas, inviabilizando sua aprovação no território europeu.
A associação Alzheimer Europe lamentou o parecer negativo. Em nota publicada em seu site, cita que o medicamento foi aprovado por outras autoridades regulatórias do mundo, entre elas a Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, e outras no Reino Unido, no Japão e na China (na época, a Anvisa ainda não havia aprovado o medicamento no Brasil).
Alto custo
Outro ponto é que o alto custo do medicamento pode limitar o acesso à droga e dificultar sua viabilidade em larga escala. O donanemabe ainda não foi precificado no Brasil, por isso não está disponível nem na rede privada, nem pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Procurada pela Agência Einstein, a Eli Lilly informou que ainda não existe estimativa de preço no país, mas que “vai trabalhar para garantir a disponibilidade do produto o mais rápido possível.” No momento, diz a empresa, a prioridade é definição de preço pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), vinculada à Anvisa.
Na avaliação de Polyana Piza, o donanemabe representa uma inovação importante no tratamento da doença de Alzheimer, oferecendo uma nova opção terapêutica, apesar da melhora clínica ainda ser modesta. “A aprovação desse medicamento pode estimular a busca por diagnósticos precoces, já que ele é mais eficaz em estágios iniciais da doença, o que é crucial para maximizar os benefícios e retardar a progressão da doença”, diz a neurologista do Einstein.