Covid-19: Rotina de trabalho intensa, distanciamento dos familiares, perda de amigos e medo de ser infectado. O desafio dos profissionais de saúde que estão na linha de frente


“Vejo colegas doentes, alguns graves, alguns depressivos, muitos exaustos e fadigados. Muitas vezes não temos equipamentos de proteção individual para todos nos locais de trabalho, não existe mais hora certa pra comer e dormir. O telefone toca dia e noite com pessoas desesperadas, chorando, precisando não só do médico que habita em nós, mas do carinho mais fraterno que possamos dar, precisando de esperança. As vezes, estamos cansados ao extremo mas não deixamos de ajudar pois essa é a nossa missão”

Esse texto faz parte de um desabafo que a médica pneumologista Dra. Suzianne Pinto postou no Instagram após perder dois amigos médicos para a Covid-19 e mostra como médicos, enfermeiros e profissionais de saúde estão enfrentando desgaste e fadiga ocupacionais devido ao aumento do estresse causado pela pandemia.

Em estudos realizados na China e Itália, profissionais de saúde reportaram sintomas depressivos (variando de 19,8% a 50,3%), ansiedade (variando de 34% a 44,6%), insônia ou má qualidade do sono (23,6% a 34%). Há estudos em equipes de saúde chinesas demonstrando 27% de transtorno do estresse pós-traumático.  “Comparados com profissionais de outras áreas, os profissionais de saúde possuem mais sintomas ansiosos e baixa qualidade de sono. Ainda são dados iniciais e precisam ser replicados para entendermos melhor esse impacto na saúde mental desses profissionais”, explica  Dr. Walter Barbalho Soares, doutor em psiquiatria e chefe da Unidade de Atenção Psicossocial do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL).

Ainda não existem dados concretos sobre a realidade enfrentada pelos profissionais de saúde aqui no Rio Grande do Norte.  Mas o esgotamento físico e mental, aparente em cada palavra do depoimento da Dra. Suzianne Pinto, é visível na maioria deles. Nessa entrevista, o Dr. Walter Barbalho fala sobre os efeitos na pandemia e orienta seus colegas médicos que estão na linha de frente.

Quais os efeitos da pandemia no que diz respeito a saúde mental dos profissionais de saúde?

Os profissionais de saúde podem sofrer impacto negativo na saúde mental devido a diversas frentes. Assim como a população em geral, estamos adquirindo conhecimento sobre a Covid-19 ao mesmo tempo em que a enfrentamos. Além disso, por estarem próximos às pessoas infectadas, há maior risco de contágio, como também a apreensão causada pela possibilidade de falta de EPIs. Ou seja, a sensação de insegurança poder ser intensa. Somado a isso, muitas vezes há o distanciamento de familiares para evitar o contágio.  A alternância de emoções neste período é uma verdadeira montanha-russa. Se em um dia de trabalho, pacientes recebem alta ou vão apresentando melhora, em outros dias a insegurança sobre estar ou não sendo infectado no trabalho, a necessidade em lidar com a escolha de quem vai conseguir ficar ou não no ventilador mecânico ou de quem irá primeiro para UTI, podem ser considerados eventos traumáticos para essa população. Aprender a lidar com essa alternância de emoções e com esses fatores estressores é essencial para a retomada de uma vida normal.

Esse esgotamento mental pode se refletir na saúde física? Que doenças podem surgir a partir dele?

Estar sob constante estresse e os transtornos mentais estão estreitamente ligados a sintomas físicos ou somáticos. Tanto que não é raro o paciente passar por diversos especialistas até chegar ao profissional de saúde mental. Sintomas gastrointestinais (dor ou queimação no estômago, diarreia, constipação, vômitos), sintomas neurológicos (dor de cabeça, sensação de formigamento) ou ainda sintomas cardiológicos (aumento da freqüência cardíaca, dor no peito) são exemplos do que pode ser a expressão física de um transtorno mental. Doenças dermatológicas também estão estreitamente ligadas a doenças mentais, como a psoríase que aumenta muito a sua intensidade quando o paciente está mais ansioso.

Existe alguma situação ou sintoma que indique que esse profissional precisa ser afastado do trabalho?

Em geral, o que faz o paciente ser afastado ou não do trabalho é a gravidade do quadro clínico. Se o profissional de saúde trabalhando nesse contexto de pandemia, sofrendo por estar sob tal estresse, recebe o diagnóstico de episódio depressivo e apresenta choro constante, comprometimento da sua atenção ou concentração levando-o a ficar inseguro no desempenho das suas funções laborais, acabará sendo afastado. Ao mesmo tempo que o paciente pode ter um quadro depressivo leve, ser manejado apenas com psicoterapia e não ser afastado do trabalho. Pensamentos de morte, ideação suicida, sintomas psicóticos, ideias de culpa, agitação psicomotora, indiferença afetiva são indicativos de quadros clínicos graves.

Quais as orientações para os profissionais que estão na linha de frente para prevenir ou amenizar esse esgotamento? O que podem fazer para aliviar o estresse?

Dr. Walter Barbalho Soares Chefe da Unidade de Atenção Psicossocial do HUOL Psiquiatra e preceptor da residência médica em psiquiatria do HUOL Doutor pela Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo

Primeiramente, saber que todos temos limites. Muitas vezes, o profissional de saúde “veste uma roupa” de inabalável e que sempre pode um pouco mais: dar mais plantões, atender mais pacientes. Não reconhecer os limites pode fazer o indivíduo esgotar mentalmente e fisicamente, o que está ligado ao aumento da possibilidade de erro. Em segundo lugar, saber pedir ajuda. Sabemos que ainda há preconceito com o apoio psicossocial, como se fosse um demérito ou fraqueza pedir esse tipo de ajuda, mas é preciso disseminar a importância da psicoterapia como estratégia preventiva, de tratamento e reabilitação. Buscar auxílio psicoterápico é cuidar de si mesmo. Antes de tudo, profissionais da área de saúde precisam estar funcionando mentalmente bem para poder ajudar os doentes que chegam em suas mãos. Outras estratégias simples e importantes para lidar com o estresse e também podem ser preventivas: ter uma higiene de sono adequada (respeitar horários de sono, evitar uso de telas, usar a cama exclusivamente para dormir, evitar uso de bebida alcoólica e o tabaco antes de dormir), tentar não levar o trabalho para casa, fazer atividade física regular, manter atividades recreativas e prazerosas frequentes, alimentar-se de maneira saudável e conversar com pessoas próximas.

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