Saúde mental: Psiquiatra Jales Clemente fala sobre medos, depressão, sexo e pandemia 2


Dr. Jales Clemente, psiquiatra @drjalesclemente (Foto: Divulgação)

A pandemia sinceramente compactou a saúde mental. Não é somente pelo medo de contaminação. É o medo do vazio existencial. Quase tudo fica em torno dos destroços, parecido com um estado contínuo de guerra e de pós-guerra ao mesmo tempo. Lembram do pavor nos campos de concentração nazistas? Pois alguns pacientes se comportam como se estivessem ali quando recebem a notícia do diagnóstico de Covid-19 e são encaminhados para centros de terapias intensivas. Os que estão em casa, ficam “fugidos” com medos de serem pegos, pelo Coronavírus. Nós estamos experimentando como é viver quase como não-humanos, ou seja, quase sem uso da razão.

Nosso sistema de medo é muito útil e funciona como na idade antiga. Se houve perigo, ele entra em ação como mecanismo de proteção muito simples. Passamos a ter medo do inimigo, ficamos pensando em como nos livrar dele o tempo inteiro, nosso coração fica acelerado para o caso  de nos encontrarmos  com o bendito, as mãos suam, surge um aperto no peito, os músculos ficam tensos, podem até ficar doloridos, a boca seca, muitos escutam zumbidos, pode dar uma sensação de desfalecimento, a garganta fica tampada (parece que tem um bolo) e nós, sem muito o que fazer, ficamos hiperativos, irritados, nervosos e prontos para atacar um vírus que não tem nem tamanho de gente. Uns menos outros mais, mas é assim que alguns se sentem porque a amígdala no sistema nervoso central entra em ação e estimula o sistema nervosos periférico simpático. Se as reações fossem até aqui, o tratamento estaria garantido. Mas vejam os próximos parágrafos.

O medo constante, também conhecido como estresse, pode passar da fase de luta e preparo para o enfretamento, e entrar em um estado de “estafa”, que nesse caso é tanto física quanto mental. É aqui que mora o perigo maior. Nesse caso, o corpo demonstra sinais de Depressão. O medo que poderia gerar coragem, passa a gerar angústia e desesperança. O estado de prontidão para o enfretamento se torna um estado de letargia, falta de ânimo, ausência de energia, tristeza, moleza no corpo, falta de vontade de comer, muitas vezes sono excessivo e em alguns casos ideação suicida, planejamento suicida e até mesmo suicídio consumado. Embora pareça uma situação irremediável, ainda assim a medicina tem muito o que fazer. Hoje nós dispomos de tratamentos medicamentosos e não medicamentosos que diminuem, estabilizam e recuperam as pessoas que sofrem de Depressão. Mesmo com uma causa específica, o organismo responde e se levanta novamente.

Agora imagem vocês como ficam as funções vitais essenciais que mesmo antes da pandemia já poderiam terem sido deixadas de lado. A sexualidade humana, embora seja uma atividade de vida diária essencial, muitas vezes é negligenciada pelos casais. A rotina, o cansaço, os filhos, o mal humor, o trabalho, os conflitos etc. são álibis para evitar uma relação sexual. Imagem agora com a pandemia. Parecia ser um contexto ideal. Casais em casa, com tempo para se dedicarem exclusivamente um ao outro, sem dia nem hora. Mesmo assim, surgem novos álibis. O casal precisa cuidar disso como quem cuida da ansiedade ou da depressão. Procurar meios para retomar uma vida sexual de qualidade. O confinamento pode trazer o que chamamos de “condicionamento” onde os mesmo estímulos já não funcionam mais para levantar o desejo sexual do parceiro. É mais uma oportunidade de ser criativo.


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2 pensamentos em “Saúde mental: Psiquiatra Jales Clemente fala sobre medos, depressão, sexo e pandemia

  • Gilvania costa

    Sou Gilvania e há muito venho sofrendo com crises de ansiedade, já recorri a dois psiquiatras mas até o momento não consegui sair do quadro.Li seu artigo e gostei muito da contextualizaćão que o Sr fez com o momento em que Estamos vivendo.Achei muito pertinente.o meu problema começou antes dessa pandemia.Atribuo a um trauma que passei. Ao ler seu seu artigo me encontrei muito em sua colocaçães

  • Maria do Carmo

    Uma verdadeira estória de quem convive com clientes com esses medos, sintomas e delírios do medo.
    Conheço amigos/as que relatam fatos parecidos. Muitos ainda não têm a consciência de procurar a psiquiatria com preconceito da antiguidade em que psiquiatra é pra pessoas anormais. E esses sintomas são normais?