Tratar a obesidade infantil reduz risco de doenças crônicas na vida adulta


No Brasil, estima-se que 30% das crianças de 5 a 9 anos estejam acima do peso; tratamento busca focar em mudanças no estilo de vida, com alimentação saudável e atividade física

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein


A obesidade
infantil é um dos principais desafios de saúde pública da atualidade, pois está associada a um maior risco de doenças crônicas, como diabetes tipo 2, hipertensão e distúrbios cardiovasculares, além de transtornos como ansiedade e depressão.

No Brasil, três em cada dez crianças com idades de 5 a 9 anos estão acima do peso, segundo o Ministério da Saúde. De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade e a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil estará na quinta posição no ranking de países com o maior número de crianças e adolescentes com obesidade em 2030, com pouca chance de reverter o quadro se nada for feito.

Um estudo do Instituto Karolinska, na Suécia, publicado recentemente no JAMA Pediatrics, constatou que o tratamento eficaz da obesidade infantil está associado a uma redução significativa no risco de diabetes tipo 2, dislipidemias, hipertensão, diminuição da necessidade de cirurgia bariátrica e menor risco de mortalidade prematura em adultos jovens.

Segundo a pesquisa, a remissão completa do quadro reduziu em 88% o risco de mortalidade em comparação a uma resposta inadequada ao tratamento, reforçando a importância de diagnosticar e tratar a doença desde cedo para aumentar a probabilidade de sucesso e mitigar os riscos de saúde emlongo prazo.

O grupo analisou dados da coorte do Registro Sueco de Tratamento de Obesidade Infantil (BORIS, na sigla em inglês), composto por crianças e adolescentes que recebem tratamento para obesidade. Eles avaliaram informações de 6.713 jovens de 6 a 17 anos que se tratavam havia pelo menos um ano, com duração média de três anos.

A coleta de informações aconteceu entre 1996 e 2019, e as análises ocorreram em 2023. A resposta ao tratamento da obesidade pediátrica foi baseada em mudanças na pontuação do desvio padrão do Índice de Massa Corporal (IMC) e, depois, categorizada como ruim, intermediária, boa ouremissão completa da obesidade. Os resultados foram avaliados quando os participantes tinham entre 18 e 30 anos de idade.

“Não é a primeira vez que os suecos publicam um trabalhomarcante sobre o tema. O estudo atual demonstra o quanto a obesidade pediátrica, cada dia mais prevalente e tão negligenciada, urge em ser tratada e tem em sua abordagem um potencial transformador para a vida toda, que agora fica comprovado”, analisa a endocrinologista Leandra Anália Freitas Negretto, do Hospital Israelita Albert Einstein emGoiânia.

Apesar dos bons resultados nos desfechos para hipertensão, diabetes e dislipidemias, o risco de desenvolver depressão e ansiedade permaneceu inalterado na idade adulta jovem, independentemente do resultado do tratamento recebido na infância. Inicialmente, os pesquisadores pensavam que a perda de peso poderia diminuir os sintomas mentais, mas concluíram que as condições devem ser tratadas em paralelo.

Isso nos chama a atenção e demonstra o quanto talvez subestimemos a complexidade que a ansiedade e a depressão envolvem. Seriam os prejuízos causados pelo estigma da obesidade muito mais profundos e danosos do que o que se imagina?”, indaga Negretto.

O que explica o aumento da obesidade infantil?

Segundo dados do Atlas da Obesidade Infantil no Brasil, publicado em 2019 pelo Ministério da Saúde, 14,4% das crianças menores de 5 anos e 13,2% daquelas entre 5 e 9 anos apresentavam obesidade naquele ano. Além disso, 29,3% das crianças entre 5 e 9 anos tinham excesso de peso. O mesmo documento aponta que 4,8% dos pequenos com idade entre 5 e 10 anos foram classificadas com obesidade grave.

Em dez anos, metade das crianças e dos adolescentes pode estar IMC elevado, de acordo com estimativa apresentada na edição de 2024 do Atlas Mundial da Obesidade, feito pela Federação Mundial de Obesidade. “Os motivos de cada vez mais crianças se tornarem obesas, e cada vez mais precocemente, devem ser descritos no plural e com reticências, pois ainda há muito o que estudar a esse respeito”, diz a endocrinologista.

Para a especialista, o senso comum ainda responsabiliza a pessoa com obesidade. Porém, na verdade, essa condiçãoacontece por uma junção de fatores, principalmente uma genética predisposta com um ambiente obesogênico, em que há intensa oferta de alimentos ultraprocessados e hipercalóricos, somados ao sedentarismo.

“Nossa genética não mudou, mas, em um passado não muito distante, as crianças brincavam por horas na rua e comer em demasia era exceção. Hoje, as crianças estão mais enclausuradas e ansiosas em casa, muitas vezes com livre acesso a telas e alimentos ultraprocessados. Já a atividade física, quando presente, ocupa poucas horas do dia”, pontua a especialista.

Diante de um quadro de obesidade, a recomendação para o tratamento de crianças com menos de 12 anos é a mudança de comportamento e estilo de vida. Já em adolescentes, existe a possibilidade de associar o uso de medicamentos. “É importante frisar que todo tratamento para obesidade e sobrepeso tem foco na alimentação e na atividade física, o que chamamos de mudança no estilo de vida. Sem esse passo, o tratamento torna-se muito mais desafiador e, muitas vezes, infrutífero, com recidivas e recuperação do peso perdido mais frequentes”, alerta Leandra Negretto.

As dificuldades relacionadas ao tratamento da obesidade infantil são diversas, a começar pelo imaginário coletivo de que a criança pode ser “gordinha”. “Convencer familiares a mudarem seus hábitos de vida, com menos horas de tela, menos consumo de ultraprocessados e guloseimas, mais atividade física e maior ingestão de alimentos de verdade, é extremamente desafiador”, avalia a médica.

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